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“Não se combate crime cometendo crime”

Direito

 

O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

 

Pois bem, diante dos vários abusos dos órgãos de persecução penal que, por vezes, adentram na casa de cidadãos, procedem à buscas ilegais e nada de ilícito encontram, restando violado o direito à intimidade e a privacidade, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu alguns critérios para legitimar a entrada da polícia em residências, deixando claro que é necessário mandado judicial ou a autorização do morador.

 

Assim, por ocasião do julgamento do HC 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 15/3/2021), a Sexta Turma do STJ, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais, restando consignadas as seguintes conclusões:

 

  • a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige- se para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito;

 

  • b) O tráfico de drogas, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada;

 

  • c) O consentimento do morador precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação;

 

  • d) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo;

 

  • e) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.

 

Sobre a gravação audiovisual, é pertinente também destacar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF 635 (“ADPF das Favelas”, finalizado em 3/2/2022), oportunidade na qual o STF reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de monitoração da atividade policial no Estado do Rio de Janeiro.

 

Ora, mesmo diante de todas estas recomendações e consequências, inúmeros abusos estatais ainda foram constatados, o que fez com que o STJ, no julgamento do HC 696.084/SP, decidisse que, “nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial”, sendo nula a diligência policial e ilícita a prova colhida:

 

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ENTRADA EM DOMICÍLIO DESPROVIDA DE MANDADO JUDICIAL. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS INDICATIVOS DE CRIME NO INTERIOR DA RESIDÊNCIA. ILEGALIDADE DAS PROVAS. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR ANULADA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. É pacífico nesta Corte o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, está-se ante uma situação de flagrante delito. 2. Consoante o julgamento do RE 603.616/RO, não é necessária certeza quanto à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o flagrante delito. 3. Hipótese em que os policiais, diante de denúncia anônima recebida, dirigiram-se à residência paciente e avistaram seu rosto numa janela, ocasião em que este correu para os fundos da casa, não obtendo êxito, naquele instante, os policiais em adentrar naquela para detê-lo, porquanto o muro da frente era alto, só o fazendo momentos após, encontrando no seu interior “meio tijolo de cocaína, seis porções grandes de crack e 27 porções pequenas de crack, além de uma balança de precisão e três facas com resquícios da droga. No banheiro próximo à cozinha, havia um fundo falso atrás da porta, no chão, onde foi encontrado mais um tijolo de cocaína”, sem mais outras demonstrações e indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da casa, estar-se-ia diante de uma situação de flagrante delito. 4. Nesse contexto, configura-se a nulidade da prisão em flagrante em virtude das provas obtidas ilegalmente, por meio da entrada dos policiais em domicílio alheio desprovida de mandado judicial, sendo necessária, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, “a prévia realização de diligências policiais para verificar a veracidade das informações recebidas (ex: ‘campana que ateste movimentação atípica na residência’)” (AgRg no HC 665.373/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 10/08/2021). 5. Concessão do habeas corpus. Declaração de nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 – CPP). Anulação da condenação imposta ao paciente nos autos da Ação Penal nº 1500365-87.2018.8.26.0603, com a consequente expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso. (STJ; HC 696.084/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021) .

 

É como disse o Ministro Gilmar Mendes no julgamento do famoso HC 164.493: “O resumo da ópera é: não se combate crime cometendo crime. Ninguém pode se achar o ó do borogodó.”

Muitos são os cidadãos aviltados e humilhadas em diligências ilegais que têm como pretexto o combate ao tráfico de drogas, sendo que, na maioria das vezes, tais pessoas nada têm a ver com a traficância, mas tornam-se vítimas do abuso.

 

Nestas toada, tem-se que, enquanto os agentes públicos não compreenderem que é necessário respeitar “as regras” no combate ao crime haverá impunidade, pois os processos continuarão sendo corretamente anulados. Em outras palavras: os fins não justificam os meios.

 

José Corsino Peixoto Neto

Advogado Criminalista  - OAB/PB 12963

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